sexta-feira, 23 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 5ª parte

Continuando...


Passavam poucos minutos das 15h... Em Rio de Frades a temperatura estava agradável! Arranco para a terceira volta com o sol lá no alto!

Quando estou a sair da arena, estavam a chegar 2 ou 3 atletas que eu tinha ultrapassado na 2ª volta... Não sabia se eles iriam seguir para a terceira... A única coisa que sabia é que à minha frente estavam 3 atletas. 3 fortes atletas de quem eu muito dificilmente me conseguiria aproximar...

Da mesmo forma, também tinha a certeza absoluta que nunca conseguiria terminar a terceira volta antes das 9h! A não ser que fizesse 1h20 na última volta! Impossível!

Assim, restava-me desfrutar como pudesse desta terceira volta! A meio da segunda volta, a minha ideia era dar tudo na terceira e fazer um tempo canhão! (ahahah) Mas logo nos primeiros km's vi que as pernas já não estavam a querer cooperar... Aliás, nem era tanto as pernas, a nível muscular até me sentia bem. Uma ligeira dor nos joelhos e mais nada de especial... Só que mal acelerava um pouco, ou passava simplesmente da caminhada para a corrida, o ritmo cardíaco disparava e sentia um aperto no peito que me dizia logo para ir com calma...

Não posso dizer que me estava a sentir muito bem, mas durante o primeiro e segundo km ia correndo / caminhando de forma agradável para quem já levava 44km com 3000m d+ no bucho!

 

No início da terceira volta!. Foto: Ana Cristina Cabrita.

Mas quando entramos nos trilhos e a inclinação começa a aumentar, além do aperto no peito, começo a sentir um desconforto no estômago... Vão passando atletas por mim em sentido contrário, que me dão força! Eu retribuo!

Antes dos 2km da última volta, mesmo antes de virar à esquerda e começar a subir ainda com mais inclinação, decido fazer uma paragem técnica a ver se melhorava do desconforto abdominal... Desviei-me do trilho e... fui arrear o calhau! Pronto, já disse!

Melhorou um pouco. Nos primeiros metros de subida até parecia que ia bem... Mas logo comecei a perder a força nas pernas... Continuei a cruzar-me com atletas que estavam a terminar a 2ª volta. Alguns diziam claramente que iam ficar por ali! Outros ficavam impressionados por haver gajos a ir para terceira volta... E ainda mais por irem para a terceira volta sabendo que iam chegar fora do tempo limite! "Vocês são mesmo teimosos" cheguei a ouvir! Encarei aquilo como um elogio! :)

Continuava a subir... A subida pareceu-me muito mais longa que da primeira vez! Nem queria acreditar que há 8h atrás estava a subir aquilo tudo com uma força descomunal, sem qualquer cansaço... Agora ia ali naquele ritmo de pára/arranca... Muito lento... Andava 50metros e parava 20segundos a apreciar a paisagem! "Mas quando é que eu chego lá acima?"

A certa altura apercebo-me que vinham 2 atletas já atrás de mim... Seriam 2 daqueles que tinham terminado a 2ª volta quando eu estava a arrancar para a 3ª. Ou seja, iam 3 à minha frente e pelo menos 2 atrás de mim. Fiquei surpreendido como é que tinham cá chegado tão rápido! Na altura foi o que me pareceu, mas agora analisando bem, eu é que vinha muito lento... Para não falar na paragem técnica!

Eles viriam talvez uns 200 ou 300m atrás de mim... A distância era curta. mas como a inclinação ultrapassava os 15% ou 20%, eram 300m que demoravam 5minutos a fazer, pelo menos!

Ia sentindo um misto de emoções e sensações! Por um lado queria andar rápido! Sabia que conseguia dar mais... Por outro lado, estava cansado, sem forças, com calor... Tinha dado o estouro! Foi nesta altura que pensei para mim mesmo "Se queres chegar ao fim, vais ter que penar muito!". Tive que admitir e aceitar que estava nas lonas! Estava vazio... "Esquece os que vão à tua frente! Esquece os que vêm atrás! Concentra-te no teu corpo e nos sinais que ele te está a dar!" Era este o meu pensamento...

Mudei o chip! Não havia volta a dar! Tinha que ir ao fundo do poço e voltar... Tinha que morrer e voltar a renascer! Sabia que este momento ia chegar... "Já passei por isto dezenas de vezes em provas deste calibre. É só mais uma..." O problema é que já "não me lembrava" como se fazia... A minha última prova de 100km tinha sido precisamente no UTSF, mas já no longínquo ano de 2016!

Tentei ir comendo e bebendo qualquer coisita no que restava da subida, mas o corpo não queria... Não havia sinais de apetite, nem de sede... "Porra pá! Se estou todo empenado como é que não tenho sede nem fome?"

Chego ao fim da subida e entretanto já tinha sido ultrapassado pelos 2 atletas que me seguiam... Ainda tento esboçar uns metros de corrida no pedaço de alcatrão, mas o cansaço era demasiado, mesmo em piso plano... Penso "Deixa-te estar sossegado..."

Praticamente não conseguia correr... Tinha feito a subida a uma média à volta dos 15min/km! E nos km's seguintes não iria melhorar... Até ao final apenas faria 1 (Um) km abaixo dos 10min/km. Quando iniciei esta volta o relógio dava-me um tempo estimado de chegada cerca das 18h30! E eu pensava "Olha, nada mau! Ainda chego de dia!". Mas à medida que os km's iam passando o tempo estimado de chegada ia estendendo-se e já estava perto das 19h... Sabia que ficava de noite entre as 19h e as 19h30 e eu queria fazer tudo para não apanhar muita noite!

O plano agora era simples! Caminhar! E caminhar rápido! A caminhar sentia-me bem. Não sentia o coração a disparar e sabia que conseguia caminhar abaixo dos 10min/km se fosse preciso... Isto claro em piso plano e sem obstáculos! Quando apareciam as subidas, as pedras, as caixas para recolher as guias, sempre se ia um pouco mais lento...

Até Cabreiros (passando por Tebilhão) era quase sempre a descer! Deu para ir recuperando um pouco as forças e ir tentando correr pequenos troços de 10 ou 20metros... Aproveito para mandar mensagem ao Filipe a visá-lo da minha pobre condição física! "Já quase só dá para caminhar"

Seriam umas 17h, apesar de ainda ser de dia, o sol já não chegava aos vales... E então quando andava no meio da floresta, como era o trilho entre Tebilhão e Cabreiros, parecia que ficava quase de noite...

Entretanto já me tinha passado o calor, já ia mais confortável com a camisola térmica, o que começou a ajudar na recuperação...

Quando me começava a sentir ligeiramente melhor, começa a subida para as eólicas! Eram quase 5km sempre a subir e começo a pensar nos trilhos que ia ter que atravessar e nas dificuldades que se avizinhavam... Apesar de esta volta já não contar "para nada", não queria falhar nenhuma caixa!

Primeiro foi a caixa do açude logo a seguir a Cabreiros e o trilho que já tinha feito por dois caminhos diferentes... Fiz a caixa, mas o trilho acho que inventei uma terceira alternativa, nunca consegui seguir pelo mesmo caminho!

Começa a ficar mais frio e visto o corta vento! Mais um troço de estrada... Vejo um ou dois carros a passar e começo a pensar "Será que é pessoal da prova já a ir-se embora? Será que ainda há muitos atletas em prova? Quantos estarão atrás de mim na terceira volta? Será que sou o último?"

Chego à 7ª caixa, aquela antes do trilho bastante fechado, onde na 1ª volta me juntei com o Miguel, o Adriano e o Paulo... Já está chover! Vou recolher a guia e no saco de plástico que envolve a caixa até já há sangue! Certamente consequências da agressividade e dureza dos trilhos!

Começo a furar por ali acima pelo meio das giestas e silvas... O tempo está cada vez mais agreste! Uma chuvinha, mais frio e algum vento! Começo a sentir-me estranho! Estou desconfortável! Estou ao ar livre, mas parece que estou fechado num quarto escuro, sinto-me claustrofóbico! A chuva, o frio e o vento também não estão a ajudar... Estou farto deste trilho! Parece que nunca mais acaba! Quero sair daqui e chegar ao estradão o mais depressa possível!

"Será que já passei a caixa?" Não estava a conhecer esta parte do trilho... O GPS diz que estou fora da rota, mas logo a seguir já diz que estou bem... Chego a um cruzamento, ando um bocado para a direita, não era para ali! Vou em frente... "Fora da rota", volto para trás! Páro um bocado e desespero... Só vejo giestas à minha volta e sinto que estou a perder o discernimento... Estava nevoeiro, não me conseguia orientar pelo sol, mas sabia mais ou menos para onde era, pelo menos sabia que tinha que continuar a subir... e foi o que fiz!

Finalmente encontrei a caixa! Fiquei logo aliviado! Primeiro porque sabia que estava no caminho certo e segundo porque sabia que estava quase a acabar este trilho das giestas! Andei mais um bocado ali aos papéis e finalmente consigo chegar ao estradão... 

Aquele bocado de estradão soube a pouco, porque depressa estava novamente entre giestas e silvas e tojos, naquela zona mineira abandonada antes das eólicas... Estava já a desesperar com aquilo! O facto de saber antecipadamente o trilho que ia apanhar, em vez de me acalmar, ainda me stressava mais! Isto porque apesar de ter levado corsários que me cobriam os joelhos, as canelas estavam descobertas e já ardiam de cada vez que roçava num tojo, numa carqueija ou ficava preso numa silva... Já tinha as canelas todas arranhadas e apesar de não se ver nada, parecia que estava tudo em ferida!

Lá acabou o martírio! Cheguei às eólicas e pelo menos aqui já não havia nada a arranhar-me as pernas... Estava era um vento, frio e chuva bastante desconfortáveis! Levava tudo vestido e mesmo assim não podia parar, senão arrefecia bastante! Recolhi a primeira guia lá no meio das pedras e fiz o restante troço das eólicas sem problemas... Até deu para correr um bocado na parte final antes de chegar à caixa seguinte!

Agora é que isto estava mesmo um pântano! Tinha chovido bastante aqui em cima e estava tudo alagado! Lá recolho a guia e sigo caminho para começar a descer para o Candal!

Parecia que já estava de noite, mas ainda eram 18h30! O céu é que estava tão fechado, tão escuro e chovia que "deus a mandava", que quase que apetecia ligar o frontal... Mas não queria ligar já! Queria fazer o máximo que conseguisse sem frontal!

Mas antes de começar a descer aproveitei para uma paragem técnica! Calma... Desta vez foi só para vestir o corta vento por baixo da mochila! Até aqui vinha com o corta vento por cima da mochila e ia tirando e vestindo conforme a temperatura/vento/chuva, etc. Mas como estava a ficar de noite, a chuva não parava e a tendência da temperatura era para continuar a descer, passei o corta vento para baixo da mochila e a mochila ficou por fora. Assim, fechei o corta vento até ao pescoço e a mochila ficou mais acessível, para continuar a beber e a comer...

Desci num bom ritmo até ao Candal... O empeno já estava a querer passar e consegui ir intercalando corrida e caminhada por ali abaixo.

Dentro da aldeia do Candal ainda andei um bocado "perdido". Das duas vezes que lá tinha passado segui caminhos diferentes. Desta vez tentei ir pelo último que tinha feito, mas um portão fechado trocou-me as voltas... Segui em frente, mas fui dar a um campo de cultivo. "Não é por aqui!" Voltei para trás, olhei para o portão e para o trilho, que até tinha a marca do percurso pedestre GR... "Tem que ser por aqui!" Deitei a mão ao portão, deu para abrir e segui caminho...

Agora era subir até à cruz para recolher a penúltima guia e depois era "sempre a descer" até Rio de Frades!

Faço a subida nas calmas, até porque já não dava para mais... A chuva tinha parado! O vento acalmou qualquer coisa... O nevoeiro levantou e agora só se viam as nuvens no céu escuro e um esboço de pôr-do-sol! Ainda havia uma claridade que me permitia seguir sem ligar o frontal!

Recolhi a 12ª guia e pus-me ao caminho! Começo a descer, faço com calma o trilho onde o Miguel se tinha magoado e entro no estradão que me levaria ao Trilho Asiático. Nesta zona fiz o segundo km mais rápido desta terceira volta (o mais rápido foi o primeiro km ao arrancar para a terceira volta), nuns "impressionantes" 9m22s.

Ao entrar na zona superior do Trilho Asiático tenho mesmo que ligar o frontal! Eram 19h30 e já estava mesmo escuro. Aquilo que eu mais temia aconteceu! Vou ter que fazer o Trilho Asiático de noite!

Tal como eu tinha vindo a acompanhar no relógio, a hora prevista de chegada foi-se estendendo e neste momento já era para depois das 20h... 

Nesta parte inicial da descida, onde a pendente não é muito pronunciada, só me preocupo em não fugir muito do track que tinha no relógio... Mas a progressão torna-se cada vez mais lenta. Aliada à dificuldade técnica do trilho que se começa a fazer sentir quando se começa a descer mais, havia agora também a questão do relógio e do facto de estar escuro e só se ver aqueles metros que o frontal ilumina...

Tento não me desviar muito, até porque não queria falhar a última caixa, mas sem querer vou-me desviando uns metros para a esquerda, naquele inconsciente de escolher o melhor caminho...

De vez em quando vou parando e olhando em volta, perscrutando com a luz do frontal alguma fita ou refletor que marcavam as caixas! Lá encontro a caixa, que tal como eu suspeitava, encontrava-se mais para a minha direita.

Desde a zona da caixa até entrar na parte final do trilho, foi para mim a pior parte... Sem querer fui-me desviando agora um pouco para a direita! E o que havia para a direita? Nada! Era onde a encosta descia abruptamente para o rio e para onde não convinha ir... Tentei retomar o caminho mais correto, andei um pouco para a esquerda à "meia encosta" e voltei a descer já em direção à parte final do trilho.

Nesta parte final, apesar do caminho estar mais ou menos limpo, também não era menos perigosa. Havia muitos degraus por entre as rochas e as raízes da carqueija e os meus joelhos começavam a queixar-se novamente. De lembrar que toda esta parte final estava a ser feita à luz de frontal, no meio de uma noite escura, e onde o único som era o barulho da água na cascata junto ao túnel, que ia ficando cada vez mais forte à medida que me aproximava.

Ia com todo o cuidado por ali abaixo. Já faltava pouco mais de 1 km e não me interessava se demorava mais 10 ou 20 minutos, só não queria era aleijar-me sem necessidade nesta parte final por causa duma desatenção ou irresponsabilidade. Sabia que se me aleijasse e ficasse imobilizado, dificilmente alguém ia dar comigo, sem rede de telemóvel, metido no meio daquela escuridão... Ainda me lembro das muitas vezes que pus mal o pé no chão, numa delas fiz mesmo uma "quase entorce", daquelas que doem, mas não chega a torcer... Aproveitei que estava sozinho ali no meio da serra para largar um palavrão bem alto!

O barulho da cascata vai ficando cada vez mais alto e torna-se impressionante quando estamos a uns 10 ou 20metros dela, ouvimos aquele barulhão da água a cair a toda a velocidade, mas não vemos nada! Como tinha tempo, ainda parei um pouco, desliguei o frontal, olhei em volta e não via nada, tudo escuro! Apenas o som daquele turbilhão de água a cair e correr rio abaixo!

Atravessei o rio e entrei no túnel! Fiz tudo a caminhar, já não tinha pressa... Que sensação! Deu para apreciar o túnel com mais calma e absorver todo aquele ambiente!

Saí do túnel e agora era só ir descendo até à arena onde sabia que estavam à minha espera! Depois daqueles 2 atletas me terem ultrapassado, vim o caminho todo a pensar que era o último! "Estão todos à minha espera..." "Mas porque é que vim tão lento?" "Estou a fazer toda a gente esperar..." "Se me aleijo para aqui, não vem ninguém atrás de mim que me possa ajudar..." Foram estes alguns dos meus pensamentos durante a última volta... Um misto de satisfação por ter conseguido arrancar para a terceira volta, no meio de um grupo tão restrito de atletas, mas por outro lado uma sensação de preocupação pela minha segurança e de desolação por ter dado um estouro tão grande...

Mas o objetivo era chegar ao fim da terceira volta, fosse em que tempo fosse! E isso ia acontecer! Vou descendo as escadinhas e chego às primeiras casas... O ambiente já era totalmente diferente de à bocado à tarde... Já não se via ninguém na rua, já não havia "público" e fotógrafos para trás e para frente... Agora era só eu e o rio a correr ali ao lado e umas dezenas de metros a separar-me do glória! Ou talvez não...

O meu nome não ficou gravado na placa de xisto! Nenhum ficou...

Cheguei com cerca de 12h45. Após 4h na primeira volta e 3h30 na segunda, demorei 5h15 na terceira... Na altura pareceu-me que demorei uma eternidade (e demorei) na última volta... Mas tendo em conta o estouro que dei, ter vindo sempre a caminhar e as adversidades físicas e psicológicas pelas quais passei, até não achei que foi mau... Foi só mais 1h15 que na primeira volta!

Link para a atividade no Strava 

Ouviu-se a Taps, como estava previsto... Em honra dos que ousaram desafiar as 5 Voltas do Impossível mas ficaram pelo caminho!

 

Ouvindo a Taps. Foto: Filipe.

 



Quando trocava umas palavras com a Flor Madureira, o José Moutinho, o Filipe e outras pessoas que estavam por ali, ainda soube que ainda vinham 2 atletas atrás de mim! "Ah valentes!" E eu que vim o caminho todo a pensar que já não vinha ninguém atrás de mim, que era o último... Afinal ainda houve mais dois malucos!

Comecei a arrefecer e a sentir um frio dos diabos! Tive que ir a correr para o carro, vesti umas quantas peças de roupa, meti-me no banco do pendura e lá fomos até casa a comentar o dia que tínhamos tido! Eu às voltas na serra e o Filipe no apoio logístico! Grande dia!

Aproveito, para que fique aqui registado, para agradecer todo o apoio que recebi antes, durante e após o evento! E ainda para fazer 3 dedicatórias alusivas às 3 voltas que dei ao percurso!

A primeira volta dedico-a a quem me deu apoio logístico, principalmente ao Filipe, mas também também à minha esposa, aos meus pais e irmã.

A segunda volta dedico-a ao Miguel Baptista, que tanto queria ter continuado em prova e desfrutado mais um pouco das Voltas, mas que devido aquele infortúnio, teve que abandonar. Ele que até comentou várias vezes enquanto vínhamos juntos "Epá, o percurso está espetacular!"

A terceira volta dedico-a aos meus pais, mas especialmente ao meu pai, de quem herdei um sentido de orientação apurado! Aquela memória fotográfica de quem passa num sítio e não se esquece mais, que me ajudou bastante durante o percurso! Desculpa mãe, mas as vezes que andei às aranhas, meio perdido, devia ser interferência da tua parte... hehe 😆

Em relação às Voltas, hei-de voltar concerteza, se me for permitido ser Pilha novamente! É um desafio brutal, que nos tira da zona de conforto e nos leva ao limite, que é isso que procuro sempre!

Toda a dinâmica do evento é fora do comum e não é para qualquer um! Várias pessoas me perguntaram "Como foi a prova?". Depois de eu dizer 2 ou 3 frases, dizem logo... "Eh, isso assim não!" "Isso assim é chato!" etc etc.

A questão é que as Voltas do Impossível não são uma prova! São uma coisa à parte! Quem vem, sabe ao que vem... Não há marcações, não há abastecimentos, não há apoio durante cada volta, os trilhos podem estar limpos, ou não... Não há classificações, não há tiros de partida, nem chips, nem stands de vendas de produtos da marca xpto, etc... O que há é uma candidatura, uma taxa de inscrição simbólica, uma cerveja artesanal, uma matrícula, um track GPS, 13 caixas com guias de transporte, 50 Pilhas e um tempo limite! A partir daí a aventura desenrola-se e a história escreve-se por si só...

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 4ª parte

 Continuando...


Recebo o dorsal 228 para a segunda volta. Agora faria o percurso no sentido contrário e teria que recolher das caixas a guia nº 228 do bloco da segunda volta (cada caixa tinha 5 blocos, 1 para cada volta).

Arranco cheio de vontade... Sentia-me muito bem! Como tinha descansado no fim da primeira volta, tinha recuperado muitas energias. Vou subindo as escadinhas de acesso ao túnel, que ainda perfazem uns 50m de desnível, ali em "meia dúzia" de metros... Apanho o Paulo Correia novamente. Vamos ali um bocadito os dois e fazemos juntos o atravessamento do túnel à luz do meu frontal.

Saímos do túnel e já sabíamos a subida que nos esperava! Esta parte inicial seriam 370m de desnível em 1600m de distância (inclinação de 23%!)! Uma brutidade! Depois até à caixa nº 12 seriam mais 140m de desnível em 1500m de distância (9,3%). Já para não falar do piso extremamente técnico, pedregoso, escorregadio, que já vos falei...

Inicio a subida e tento encontrar o meu ritmo... Não queria ir ofegante, mas também não queria ir a pisar ovos! Vou-me distanciando do Paulo... Acho que ainda passei outro atleta até terminar a parte mais difícil. Quando estou a chegar à parte menos difícil vejo um grupo de 3 atletas à minha frente... Aos poucos vou-me aproximando e passo-os no troço de estradão...

Entro no trilho onde o Miguel se tinha magoado, vou a correr, mas tento ir com cuidado... Nesta zona havia novamente umas nuvens e a temperatura baixava consideravelmente! Em menos de meia hora passamos dos 20º talvez (em Rio de Frades) para os 10º cá em cima... Fui a prova toda constantemente a vestir e despir o corta vento!

Apanho a 12ª guia junto à tal cruz e iniciamos a descida. Nesta altura apanho outro atleta com quem fiz algumas centenas de metros...

Aqui nesta zona da aldeia do Candal sou novamente apanhado por dois dos atletas que tinha ultrapassado... Aproveito para parar numa fonte para beber água fresca! Já sabia que a subida do Candal até às eólicas ia ser dura! Lembrava-me bem do tempo que tínhamos vindo sempre a descer e sempre a correr... Agora íamos ter que subir aquilo tudo!

Esta sensação de já conhecer o percurso, embora em sentido contrário, dava-me alguma confiança! Já sabia de antemão o que ia apanhar, podia preparar-me física e psicologicamente, dosear melhor o esforço e afinar a ingestão da alimentação. Além de que já sabia onde estavam as caixas! Por outro lado, não era bem a mesma coisa... Havia sempre que ir atento à navegação e às caixas!

A subida do Candal às eólicas seriam 400m de desnível em 2600m de distância (15,4%). A vantagem aqui é que o piso era bom e até se fez num bom ritmo. Pelo caminho estava a 11ª caixa, aquela que quase tinha falhado na 1ª volta. 

Inicio a subida com calma, umas dezenas de metros atrás dos atletas que me tinham ultrapassado. Quando chego à caixa vi que não estava lá ninguém, devem ter seguido pelo trilho errado. Mando um assobio e lá vêm em sentido contrário... Tinham falhado a caixa.

Sigo sozinho e assim faria o resto da segunda volta! Chego ao fim da subida. Algo cansado, mas tinha vindo a abastecer convenientemente, por isso estava tranquilo, iria recuperar...

Faço a 10ª caixa sem problemas! Novamente o trilho pelas pedras na zona das eólicas... Sabia que a 9ª caixa estava num topo, mas não era visível no sentido que eu corria agora... A caixa estava "escondida" por umas pedras e virada para o sentido da corrida da primeira volta... Andei um bocado às aranhas, porque as pedras pareciam-me todas iguais, estava a chegar ao fim do troço e tinha medo de a falhar e ter que voltar para trás... Iria perder tempo precioso!

Mas ao fim de algum tempo a "procurar" com calma, lá a encontrei e segui caminho!

Novamente o troço do "desbrava mato" e "arranha pernas" junto à zona mineira abandonada e desço pelo estradão aproveitando para correr um pouco.

Terminando o estradão entravamos novamente naquela zona de giestas e trilho quase fechado... Sabia que tinha a 8ª caixa na parte inicial e a 7ª no final! Não queria falhar nenhuma, nem perder tempo à procura...

A 8ª dei bem com ela! Continuei a descer... Não se via nada! Ao sair duma zona mais fechada para uma mais aberta, tropecei numa raiz e mandei um voo para frente! Tava a ver que ia fazer o resto do caminho a rebolar por ali abaixo! Fui com as mãos ao chão, rebolei e consegui parar logo ali! Uff... Fiquei dorido, mas foi mais o aparato que as consequências...

Sabia mais ou menos a direção, mas como havia sempre várias hipóteses, fui-me desviando para a direita... Quando cheguei ao final, vi que estava uns 20 ou 30m desviado do sítio onde deveria ter ido ter... Aquilo era uma ribanceira e da parte de baixo era só silvas... Não podia saltar! Para não ter que voltar para trás, fiz aqueles 20 ou 30m na transversal, ali à "meia-encosta", a desbravar mato e sei lá mais o quê, onde não havia sequer trilho...

Lá dei com final daquilo... Fui direto à caixa (a 7ª) e siga viagem!

Até à aldeia de Cabreiros era sempre a descer e pelo caminho sabia que tinha a 6ª caixa (aquela que só não falhei graças ao Paulo) lá ao pé de uma espécie de açude. Fui atento à navegação e desta vez fui pelo trilho certo... Muito mais simples, mas mesmo assim ainda andei lá às voltas, porque lá está... havia muitos trilhos perto uns dos outros, várias hipóteses e nenhuma delas está certa nem errada.

Cheguei à capela, mas desta vez já não perdi tempo, saí pelo portão principal! Continuei a descer mais um pouco...

A 5ª caixa está antes de começarmos a subir para Tebilhão. Esta faz-se sem problemas! Acho que foi mais ou menos nesta altura que me liga o Filipe a perguntar onde eu andava. Ele já tinha ido com o Miguel a Arouca para ele receber assistência e como conseguiu rede, ligou-me... Disse-lhe estava bem, mas que ainda deveria demorar mais 1h ou 1h e pouco... Ainda faltava um bom bocado!

Ao sair de Tebilhão já vamos a fazer o último grande troço de subida. Vamos progressivamente saíndo de uma zona de floresta e entrando numa área mais agreste, mais seca e com nenhumas sombras.

Faz-se a 4ª caixa, perto da zona perigosa da via ferrata... Continuamos a subir... O trilho apesar de ter sido limpo, tem muitas pedras no chão escondidas pelo mato...  É preciso ir com calma, até porque é a subir... Faz-se a 3ª caixa! Volto a ver "civilização"! O José Carlos Madureira, que andou o dia todo por esta zona... e o fotógrafo Fritz, que me tira uma bela chapa!

Bela foto caraças! Foto: Fritz.
 

Dão-me força, mas eu já só pensava na 3ª volta! "Tenho que ir com calma! Tenho que poupar as pernas para a terceira volta!"

Faço ali um bocado de estrada e entro novamente nos trilhos... Já só faltavam 2 caixas, que seriam feitas sem problemas e a navegação também já não se punha em causa! Lembrava-me perfeitamente do caminho e agora, era sempre a descer novamente até Rio de Frades!

Faltavam pouco mais de 5km e já sabia há muito tempo que não ia conseguir fazer as 3 voltas em menos de 9h! De qualquer das maneiras queria ir à terceira, era esse o meu objectivo, mesmo que terminasse fora do tempo! Por isso a estratégia foi poupar as pernas nesta última descida, não exagerar, tentar comer qualquer coisa para ver se conseguia fazer a terceira volta em condições.

Devo confessar que após ter feito a primeira  volta em 4h e pelo facto de me estar a sentir tão bem na segunda e caminhar para um tempo abaixo das 4h, a minha ideia era "Na terceira vou dar tudo o que tenho e fazer ainda melhor tempo!". Claro que isto eram só teorias, desvaneios de pensamento para ocupar a mente durante o esforço... a realidade seria bem diferente!

Vamos lá então à descida final! Fui nas calmas, sempre com o pensamento em poupar as pernas e abrandar o ritmo cardíaco... Não sabia em que posição ia, por isso queria ver quantos atletas se cruzavam comigo no início da sua terceira volta para ver quantos é que iriam à minha frente quando eu iniciasse a terceira volta!

Quando me faltavam 4km para Rio de Frades cruzo-me com o Mário Elson, ou seja, leva-me 8km de vantagem! Porra!

Já na parte final da descida, a 2km de Rio de Frades, passa outro atleta por mim. E a 1,5km de Rio de Frades passa o Guilherme Lourenço.


Já em Rio de Frades. Foto: Ana Cristina Cabrita.

Não sabia, mas já ia todo torto! Foto: Ana Cristina Cabrita.

 

Fico admirado quando chego à arena e só se tinham cruzado comigo 3 atletas! Não sei quantos terminaram a segunda volta primeiro que eu, mas para a terceira, só iam 3 à minha frente!

Chego com 7h30, ou seja, fiz a 2ª volta em sensivelmente 3h30! Melhor que a segunda, mas já não tinha hipóteses de terminar a terceira dentro das 9h. De qualquer das maneiras iria à terceira, tal como tinha planeado!

 

"Calma!" Foto: Filipe.   


"Mas tu achas que eu vinha aqui só dar 2 voltas?!" Foto: Filipe

Entrego as guias para confirmação! Tudo ok! Vou abastecer... O Filipe pergunta-me como estou, o que quero comer, se preciso de alguma coisa em especial... Digo-lhe que me sinto bem, mas que já me começa a faltar a força nas pernas... Abasteço o habitual e depressa me preparo para iniciar a 3ª volta!

 

Abastecimento. Nunca ousei sequer me sentar naquela cadeira... Poderia nunca mais me levantar! Foto: Filipe.

Estava calor, ainda pondero tirar a camisola térmica que trazia por baixo da t-shirt, mas sabia que o dia estava a avançar, já eram 15h da tarde e nos picos mais altos estava sempre frio... Resisto um pouco ao calor, mantenho a camisola e ainda bem que o fiz...

Dorsal 347 desta vez! Siga para bingo!

 

O Moutinho ainda demorou um bocado a dar-me o dorsal da 3ª volta! Pensava que era para terminar a segunda outra vez... "Não, é mesmo para iniciar a terceira!". Foto: Filipe.


Dorsal 347. Já estava a memorizá-lo. Foto: Filipe.


Pela terceira vez a abandonar a arena. Foto: Filipe.

Continua... (Está quase!)
 

domingo, 11 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 3ª parte

Continuação da continuação...


Calma! Nestas alturas de stress é preciso manter a calma e não desesperar... Hierarquisar as prioridades e atuar!

O corte era feio! Apesar de não sangrar muito, notava-se que era profundo! Não sei se pelo stress, ou desespero, o Miguel não levou a mão ao joelho para estancar a hemorragia. Nem pensei duas vezes... Meti uma mão por cima do corte, a outra a apertar o joelho de forma a que ele não perdesse sangue.

Dos 4, apenas o Paulo tinha um kit básico de primeiros socorros... Nem eu, nem o Miguel, nem o Adriano tínhamos levado nada! Pensamos tanto no que vamos comer, o que vamos beber, no equipamento, etc... E não levamos uma porcaria duma ligadura que pesa umas 50g! Acho que ali aprendemos a lição...

O Paulo saca da ligadura... Penso "Já dá para desenrascar!". Faço uma ligadura à volta do joelho do Miguel, para ver se o conseguia pôr a andar! O Miguel levantou-se, queixoso, desanimado... Entre os 4 decidimos que o Paulo e o Adriano seguiam e eu ia andando com o Miguel até à meta... Faltavam uns 4km, que eram sempre a descer.

Lá começamos a andar... O Miguel não conseguia dobrar a perna. Mas íamos com calma, temos tempo... A prioridade era chegarmos inteiros lá abaixo, nem que demorássemos 4 ou 5h. Para ajudar à festa, estávamos metidos num nevoeiro que largava uma chuva miudinha em cima de nós... Mais um ventinho frio! Íamos agasalhados... Mas quer queiramos quer não, já não íamos a produzir o mesmo calor que quando íamos a correr... Não tendo bem noção de quanto tempo poderíamos demorar a fazer aqueles 4km, ainda fui ao mapa ver se havia alguma estrada onde nos pudessem recolher, mas não havia nada... Como uma barra daquelas de "500cal" e relembro ao Miguel que apesar de termos abrandado, temos que continuar a comer e beber... Estamos a arrefecer, o corpo precisa de energia para se manter quente e alerta!

(Nota: o Miguel não é nenhum novato nestas andanças, certamente até tem mais experiência e km's nas pernas que eu, mas tinha medo que com aquele imprevisto, o stress, o frio e o cansaço ele começasse a perder o discernimento, daí esta minha preocupação.)

Tento animar o Miguel... "Deixa lá, provas há muitas!", "Isso daqui a 15 dias está pronto para outra!", "Agora é sempre a descer até lá abaixo..." Vamos descendo calmamente, íamos num caminho largo... O Miguel já vai mais confiante no joelho... mas aquela "porcaria" ainda começou a repassar a ligadura... e eu já a ver a minha vida a andar para trás... Mas vá lá que depois não aumentou mais!

Começam a passar atletas por nós... Todos perguntam se precisamos de alguma coisa, mas estávamos desenrascados... Ainda passaram uns quantos, devíamos de ir bem classificados! Até fiquei admirado!

Acaba-se o caminho largo, fletimos à esquerda e entramos na zona do Trilho asiático, como foi apelidado pelo Moutinho. O início não era muito complicado, até era mais ou menos plano, a vegetação não era assim tanta e as pedras também não... Mas quando começamos a entrar na parte mais inclinada, começou a complicar. Havia muitas pedras, umas fixas, outras soltas, o que dificulta mais, porque nunca sabemos se aquilo vai mexer e nos vai torcer um pé... A acrescentar alguma vegetação rasteira, tipo tojos e carqueija. Só para esclarecer... não havia trilho definido! Era olhar para a reta que aparecia no GPS e tentar seguir a direito por ali abaixo!

Continuam a passar atletas por nós... Uns mais à esquerda, outros mais à direita, cada um a tentar escolher o melhor caminho... Até que o Miguel diz: "Olha ali a caixa!" e eu "Hã!? Já nem me lembrava que faltava uma caixa..." Olho lá para baixo e os atletas que nos tinham passado já tinham ganho uma grande vantagem... Penso e digo para o Miguel "Eles de certeza que falharam a caixa! Não podem ter ganho tanta vantagem!"

Vamos recolher a guia calmamente... Fomos ver se o Paulo e o Adriano tinham recolhido as deles... Estavam lá ainda as que supostamente nós pensávamos que eram deles! Já vínhamos juntos há muito tempo e já quase sabíamos os números uns dos outros... Ainda rasgámos as folhas para lhes entregar quando os víssemos, mas depois pensamos "E se os números não são estes? Podemos estar a fazer confusão e vamos estragar a prova a outro atleta qualquer..." Deixamos lá ficar as guias...

Continuamos a descer, nas calmas... Ainda dei uma escorregadela, mas sem sequelas! Logo de seguida começamos a ver a malta toda a subir, a voltar para trás... "Viram a caixa?" perguntavam eles... "É já ali em cima, mais para aquele lado!" apontava eu.

Alguns mais chateados, outros nem tanto... Mas acho que isso dependia do quanto tiveram que voltar para trás! Aquela subida não era pêra doce... E eu pensava cá para mim "Senão viesse aqui nas calmas também de certeza que tinha falhado a caixa!".

Entretanto há um atleta, o Guilherme Lourenço, que notava-se que era dos primeiros, dado o ritmo que trazia a voltar para trás, que emprestou os bastões ao Miguel... Foi uma boa atitude e ao descer novamente disse "Continua com os bastões e dás-mos novamente quando eu vier para a segunda volta!" Fiquei mais descansado, já dava mais segurança a Miguel para o resto da descida.

Estava disposto a acompanhar o Miguel de volta até à arena... A minha preocupação era ele lá chegar bem... Ia contando cada metro que conseguíamos ultrapassar... Já só faltava 1km e pouco! Até que o Miguel diz-me "Hélder, se quiseres podes seguir... tenho os bastões e agora já há mais atletas, eu fico bem!" Ainda ponderei... Olhei para o relógio, avaliei o que faltava, avaliei o estado do Miguel... Lá me decidi a aceitar a sugestão dele e retomar a prova... Realmente já faltava pouco, ele estava bem (dentro do possível) e com os atletas que andavam ali para cima e para baixo, mais os que já estavam a iniciar a segunda volta, ele estaria sempre acompanhado... Disse-lhe para ter cuidado no que restava e segui caminho...

Entrava agora na parte final do Trilho asiático. Foi a única parte do trilho que o Moutinho limpou... Mesmo limpo, aquilo era perigoso, havia muitas pedras daquelas a apontar para nós! Muita carqueija! O moutinho diz que teve pena de nós e decidiu limpar aquele bocado, senão era impossível passar... "Se não limpasse, ninguém ia à segunda volta..." disse ele no briefing.

 

 

Trilho asiático! Conseguem vê-lo? Foto: Paulo Fernandes

Realmente aquilo era um trilho, digamos... chato! Vou atrás do Guilherme Lourenço e outros dois atletas... Nos últimos 100m de trilho, antes de chegar ao rio, já dá para correr... ia mesmo bem! Aquele tempo a caminhar tinha-me restabelecido as forças quase na totalidade!

 

A atravessar o rio antes o túnel e a limpar as condutas do ar! Foto: Paulo Fernandes

Mais um pedaço de rio para atravessar, mesmo por cima de uma cascata enorme! Aí tínhamos os primeiros apoiantes a ver-nos... Tinham feito o caminho inverso até ao nosso encontro! Saco do frontal, porque tínhamos um túnel para atravessar... Já vinha desde lá de cima a olhar para aquele buraco e a pensar "Aquilo é um túnel?! De certeza que vamos por ali!"

Reconheci logo o túnel do UTSF... Já o tinha feito pelo menos 4 vezes (fui confirmar aos meus registos), precisamente neste sentido, apesar do trilho de acesso ser diferente... Lembro-me da primeira vez que me atrevi a fazer aquilo sem ligar o frontal, porque iam outros atletas à frente com frontal, só que fui ficando para trás e a meio do túnel praticamente só via tudo preto! Fui tateando as paredes e o teto com os bastões para ver se não me matava... Mas desta vez não me deixei enganar! Liguei logo o frontal e fiz aquilo tudo a correr!

 

Túnel. Foto: Jorge Camisão.
 
 
Túnel. Foto: Jorge Camisão.



Túnel. Foto: Jorge Camisão.


 

Túnel. Foto: Jorge Camisão.

 

Saídos do túnel, ainda tínhamos que descer um bom bocado até à arena... Sempre em escadinhas, aos S's por ali abaixo...

Chego à arena, preparo as guias e o dorsal e entrego para confirmação! Tudo certo e por ordem numérica! Só faltava virem agrafadas!

 

Cansado? Espantado? Nah, foi só espectativa enquanto eram confirmadas as guias... Foto: Jorge Camisão.

 

"Tudo certo! Podes ir abastecer"


Corrida ao abastecimento! Foto: Ana Cristina Cabrita.

 

Já o Filipe estava ansiosamente à minha espera... Corremos para o nosso abastecimento! Vou-lhe contando mais ou menos como foi a primeira volta, a navegação, os trilhos, o percalço do Miguel, enquanto abasteço... Reponho os líquidos (levei sempre 2 litros para cada volta), as barras, géis e está tudo... Não me apetecia comer nada de especial... Tinha comido a tal barra de "500cal" há uma meia hora... Meto meio tomate à boca carregado de sal, um pedaço de marmelada e está feito!

Olho para o relógio, marcava 3h56... Digo para o Filipe "A segunda faço mais rápido! Até já! Já venho!"

 

Pronto para a segunda volta! Foto: Filipe.

 

De volta "ao jogo". Foto: Ana Cristina Cabrita.
 

 Dirijo-me novamente à arena... "Moutinho! Dorsal para a segunda volta se faz favor!"


Continua...

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 2ª parte

Continuação...


"Está na hora, não há volta a dar"

Fiz uma última verificação para ver se não me faltava nada, memorizei o número do dorsal (118) para ir recolhendo as guias, máscara no focinho e entrei na arena. Havia marcas no chão para ficarmos todos afastados... Eu optei por ir lá para trás, como faço quase sempre...

Junto à placa que imortalizaria os eventuais "Pilhas" que conseguissem dar as 5 voltas dentro do tempo limite. Foto: Filipe
 

Na Arena estavam expostas as matrículas entregues pelos participantes. Foto: Filipe.


Partida! Com a lanterna acesa. Foto: Filipe.

Sabíamos que a partida seria às 7h30 em ponto! Agradeci mais uma vez para mim mesmo o Moutinho não se ter lembrado de dar a partida às 2 ou 3 da manhã... Iria ser o terror, já vão perceber porquê...

Acende-se a lanterna e aí vão eles! Não éramos muitos, pelo que ouvi dizer, uns 35... Os primeiros depressa deixei de os ver. Ali fiquei na cauda do pelotão durante as primeiras centenas de metros...

Subimos pelo meio da aldeia de Rio de Frades, apanhamos um troço de estrada e ao fim do primeiro km estávamos a entrar nos trilhos propriamente ditos.

Seguia atrás do Miguel Baptista... Subíamos ligeiramente, mas dava para dar um trote de vez em quando... Passei o Miguel e segui no meu ritmo... Antes dos 2km virámos à esquerda e a inclinação aumentou substancialmente... Sentia-me bem, soltinho, levezinho... Sem qualquer dificuldade na navegação do GPS... Naturalmente fui ultrapassando alguns atletas...

Até aos 5km era sempre a subir! Tínhamos partido aos 320m de altitude e subiríamos até aos 960m +/-. O Moutinho fez o favor de nos abrir grande parte do trilho à força de roçadora, por isso quase nem era preciso GPS... Além de ver onde metíamos os pés, só tínhamos de nos preocupar em apanhar as duas primeiras guias que estavam entre o 4º e o 5º km, o que não foi difícil, porque as caixas estavam bem visíveis.

As sensações eram boas! O sol levanta-se por trás da montanha, havia algumas nuvens no ar, a temperatura era fresca, o ar era puro e aquele silêncio não tinha preço... A meio da subida temos um troço plano, em que seguimos por uma crista, talvez com uns 10m de largura... Olhamos para um lado, um vazio de 500m de profundidade, do outro lado idêntico... As encostas em redor são íngremes e agrestes! Mas não há grande tempo para apreciar as vistas...

Até que chegamos à primeira caixa, ainda vamos alguns atletas juntos, fazemos fila para retirar a guia e seguimos. Umas centenas de metros mais à frente a segunda... Siga!

 

1ª Caixa com a 1ª guia. Foto: José Carlos Madureira.


Aproveitar para descansar um pouco na fila. Foto: José Carlos Madureira.

 
 
Tudo à procura do dito papel. Foto: José Carlos Madureira.

Apanhamos a estrada, terminou a primeira subida! Sabia pelo gráfico da altimetria que seriam 3 grandes subidas... a primeira estava feita! 5km em 50 minutos... Parece lento, mas acreditem que não foi nada mau!

Entramos novamente nos trilhos, um caminho entre muros de pedra, com o piso cheio de pedra também... Mas como estava fresco e a agilidade ainda estava no máximo fiz aquilo tudo a correr... pelo caminho apanhei a 3ª guia.

Fomos descendo, entretanto arranjei companhia de um atleta com um ritmo idêntico... Chegamos ao Rio (de Frades) onde estava a 4ª caixa. Apanhei a guia, olhei à volta... "Mas isto é para onde?" Olhei para o GPS, como estava parado e metido num buraco jeitoso também ele estava meio marado... Só havia uma hipótese, atravessar o rio e logo se via...

Assim foi. Passamos o rio tentando não molhar muito os pés e logo percebi que era para seguir por ali abaixo junto a uma espécie de levada... Chegamos à parte perigosa que o Moutinho tinha falado, tipo via ferrata, havia uns cabos de aço na rocha e tínhamos que seguir com cuidado a ver bem onde púnhamos os pés! É que uma queda aqui era um trambolhão de 20 ou 30 metros até ao rio.

Passamos a parte perigosa e seguimos num trilho bastante agradável, estreitinho, mas plano e já sem perigo, até apanharmos novamente estrada e chegarmos à aldeia de Tebilhão, que já conhecia do UTSF, mas por um acesso diferente.

Em Tebilhão surgem novamente dúvidas na navegação... "Será por aqui? Será por ali?" Sabíamos mais ou menos a direção a seguir, por isso era ir descendo e se saíssemos do caminho o GPS logo avisaria... O meu medo era seguir um caminho paralelo e diferente do estipulado e falhar alguma caixa, mas como a caixa seguinte estava só depois da aldeia, não havia esse perigo.

Saímos da aldeia e descemos por entre umas hortas, novamente em direção a um riacho num trilho que me pareceu familiar das vezes que fiz o UTSF. Aí junto ao rio estava a 5ª caixa! Não havia como falhar!

Seguia-se a aldeia de Cabreiros, onde o track fazia "uma agulha" e mandava-nos para trás quase pelo mesmo caminho... O pior foi descobrir para onde é que ele nos mandava e qual o caminho a seguir... Fui pela lógica, subi um muro, atalhei por uma ribanceira, dei a volta à capela e deparei-me com outro muro e mais uns pequenos campos de cultivo... Tinha que ser por ali! Dei um assobio para avisar o meu colega que já tinha encontrado o trilho e segui... Nunca mais o vi! Só o voltaria a ver no final desta primeira volta!

Aqui o percurso começava a ser dúbio... Já não era aquele trilho limpinho que o Moutinho tinha preparado... Já andávamos no meio de campos, árvores, açudes, trilhos estreitos entre muros... Não havia apenas um caminho possível, haviam sempre vários... E eu ia tentando escolher o mais lógico, sempre seguindo a linha orientadora do GPS...

Até que vejo um atleta uns metros à frente, era o Paulo Correia, também andava meio às aranhas... Mas o que é certo é que foi graças a ele que não falhei a 6ª caixa! Houve outros que não tiveram a mesma sorte e tiveram que voltar para trás! Lá conseguimos chegar à estrada, saíndo ligeiramente do track, mas a caixa estava feita e era o que interessava... De qualquer das maneiras, memorizei logo por onde seria o caminho certo, para não me enganar na 2ª volta!

Seguia agora com o Paulo, entramos logo de seguida nos trilhos e continuamos a subir! Estávamos a fazer a 2ª grande subida da prova! Uns caminhos sem grande dificuldade de navegação, mas mesmo assim ainda andámos lá no meio de um matagal e começava o festival de acupunctura! Bem dizia o Moutinho que o melhor era levarmos calças... Eu levava corsários, mas não era suficiente... A esta altitude predominavam as silvas, os tojos e outros arbustos nada agradáveis ao toque!

Lá encontramos a 7ª caixa! Recolhemos a guia e logo de seguida seguimos pelo caminho errado! Depressa voltamos para trás! Demos de caras com o Miguel Baptista e com outro atleta, o Adriano, que mais tarde descobri que tem os joelhos do Mantorras!

Quatro cabeças pensam melhor que uma! E com 4 gajos a olhar cada um para o seu GPS, lá conseguimos dar com o trilho certo... Estão a ver o que é um trilho com 20 a 30cm de  largura, com o chão limpo, mas da cintura para cima todo tapado com giestas e silvas e sei lá mais o quê? Era por aí que tínhamos que seguir! O problema é que havia sempre 2 ou 3 opções de caminhos diferentes... Ora seguia eu à frente, chamava os meus colegas, atravessávamos aqueles 10 ou 20 metros e de seguida ficávamos na dúvida outra vez... Depois seguia outro, a abrir caminho por entre as giestas e silvas tentando não fugir muito do track... Havia partes em que baixava a cabeça ao nível dos joelhos e seguia quase de gatas por ali acima... Porque a parte de baixo junto ao chão tinha menos mato que junto ao tronco e cabeça! Um martírio... Só se ouvia o pessoal aos "Ais! Uis!"! De vez em quando lá saía um "F*da-se!".

Até que o caminho começou a abrir um pouco mais e demos de caras com a 8ª caixa! Eu diria que foi sorte! Bastava termos ido um pouco mais ao lado e nem a víamos! Estávamos com 11km e pouco, aos 900m de altitude e 1h45 de prova! Ou seja, sensivelmente a meio da volta!

Continuamos a subir, mas agora num estradão, onde deu para correr um bocadito, comer qualquer coisa e vestir o corta vento que cá em cima estava mais vento!

Depressa terminou o estradão e mais um troço de matagal para atravessar, numa zona mineira abandonada! Mais uns arranhões na pintura!

Chegamos à zona das eólicas (1100m) onde eu pensava que o Moutinho nos ia mandar pelo estradão, tipo troço de ligação com outro trilho... Qual quê! Vais aqui por cima destas pedras que são muito bonitas! E atenção para não falhares a caixa com a 9ª guia! Conclusão: quase 10 minutos para fazer 700m! Vá lá que não falhamos a caixa!

A meteorologia aqui em cima não perdoava! Estávamos num planalto, bastante expostos. A temperatura devia rondar os 10º ou menos, não sei... Havia algum vento e uma chuva miudinha! Agradeci a mim mesmo o facto de ter trazido uma camisola térmica de manga comprida por baixo da t-shirt!

Lá fizemos um bocadito de estradão e virámos para os trilhos novamente! Logo ali estava a 10ª caixa, numa zona tipo pântano, onde haviam muitas poças de água!

Seguimos os 4! Um singletrack engraçado, ainda no planalto, girámos à esquerda e entramos num trilho que nos levaria à aldeia do Candal! Era um caminho murado, tipo calçada com grandes pedras, onde dava para perceber que já lá tinham passado carros de boi, carroças, ou coisa parecida... mas neste momento estava já com muitas ervas e apenas dava para passar uma pessoa. De vez em quando era atravessado por cursos de água que escorriam pelo caminho e desciam encosta abaixo...

O Paulo seguia à frente em alta velocidade e apesar de ser o mais velho, foi o que se desenrascou melhor na descida! Uns 20m atrás vinha o Miguel e eu... O Adriano, talvez pelos joelhos de Mantorras, foi ficando para trás...

Quase no final da descida, mesmo antes da aldeia, atravessamos uma estrada, entramos noutro caminho e novamente  haviam duas hipóteses: uma viragem à direita que parecia a mais lógica,  e outra era seguir em frente por um caminho mais tapado... Convenci o Paulo e o Miguel que era para a direita! Fizemos uns 100m e fomos desembocar num caminho de empedrado, onde vinha também ter a outra hipótese que tínhamos visto. Estranhei e disse-lhes "Esperem que vou aqui verificar se não está aqui a caixa." E não é que estava mesmo?!

Reunimos novamente com o Adriano que por sinal tinha tomado a opção certa! Pelo menos não falhamos a caixa... mas esta foi por pouco! Seguimos.

Continuamos a descer, atravessando a aldeia... mas disse logo aos meus colegas "Epá, vocês vão olhando para o GPS, vão confirmando, porque às vezes um gajo pode-se enganar..." E Apesar de grande parte do percurso seguir trilhos lógicos, noutras partes, bastava uma distração, ou um excesso de confiança e já estavas fora do trilho, ou passavas e nem vias a caixa...

Enquanto saíamos da aldeia do Candal e começávamos novamente a subir, já ia sempre na dúvida... Aquele engano tinha-me matado um bocado a confiança na minha navegação! Já só faltavam 2 guias e não era altura para enganos!

Estávamos na terceira e última grande subida! Era a mais curta das 3, dos 680m aos 870m! Depois de sairmos da aldeia já não havia dúvidas na navegação... Era para subir por um pequeno corta-fogo até uma cruz lá no alto da serra!

Lá fomos indo, com calma, na conversa... Lá em cima junto à cruz estava a 12ª caixa! Tínhamos umas vistas desafogadas em redor e sabíamos que agora era sempre a descer novamente até Rio de Frades... Estávamos com sensivelmente 18km e 2h50 decorridas.

Cá em cima estava novamente frio e vento! Aproveitei para vestir novamente o corta-vento, que entretanto tinha tirado. O trilho agora, apesar de não apresentar grande dificuldade em termos de altimetria, era bastante técnico... A navegção também não era muito complicada, mas havia que ir sempre a olhar para o relógio para não perder o rumo...

Alguma carqueija para evitar, muitas pedras de xisto que pareciam facas com o gume virado para cima... Havia que escolher muito bem o sítio onde colocávamos os pés! Íamos os 4 em fila indiana...O Miguel, o Paulo, eu e o Adriano...

Acredito que naquela altura íamos os 4 a desfrutar mesmo daquilo! Até que... Paff! O Miguel para-se no meio do trilho, larga uns impropérios, levanta o pé esquerdo do chão... Coxeia... e ao mesmo tempo que se vira para trás para se sentar eu só pensava... "Espero que não seja grave! Espero que não seja grave!"

Mas era... O Miguel tinha batido com o joelho esquerdo numa lâmina de rocha que estava meia atravessada no trilho e tinha um corte talvez de uns 4 ou 5cm...


Continua...

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 1ª parte

 Re-si-li-ên-ci-a
 
(inglês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)
 
"A resiliência é a capacidade do indivíduo lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse, algum tipo de evento traumático, entre outros. Sem entrar em surto psicológico, emocional ou físico, por encontrar soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades."


Ver também...

In-sa-ni-da-de
 
(latim insanitas, -atis, loucura)

"A loucura ou insanidade é segundo a psicologia uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados anormais pela sociedade ou a realização de coisas sem sentido. É resultado de algum transtorno mental."
 
 
Só alguém com muita resiliência e um pouco de insanidade pensaria sequer em candidatar-se a este desafio das Volta do Impossível. O que é certo é que mal vi anunciado o teor da aventura, marquei logo na agenda e prometi a mim mesmo fazer tudo para estar presente.

Em meados de Março enviei a minha candidatura e aguardei ansiosamente pela resposta que viria cerca de um mês depois na forma de uma Carta de Condolências. Nessa altura recebemos também a informação que devido à pandemia Covid-19 as Voltas não se realizariam em Maio, mas sim no dia 3 de Outubro.
 
Carta de Condolências.

 

Mais tempo para treinar, pensam vocês. Errado! Devido à situação que se viveu, parei completamente os treinos a 14 de Março. Voltaria a retomar a atividade a 4 de maio, mês em que fiz uns "impressionantes" 50km de corrida.

Ainda faltavam 4 meses pensava eu, tenho tempo de ir aumentando a carga... E assim foi... Mas muito lentamente...

Junho
Corrida - 79km / 8h

Julho
Corrida - 90km / 9h
Ciclismo - 93km / 4h

Só a partir do meio de Agosto consegui começar a encaixar treinos sucessivos, minimamente estruturados e que me permitiram ganhar forma.

Agosto
Corrida - 231km / 25h
Ciclismo -164km / 7h

Em Setembro mantive a carga, praticamente deixei de treinar em estrada e 90% dos treinos foram feitos na Serra de S. Mamede.

Setembro
Corrida - 207km / 23h
Ciclismo - 169kn / 7h

Fiz alguns testes para treinar a navegação por GPS e por 2 ou 3 vezes fiz treinos de 21km com 1000m d+ em menos de 3h que era a distância, o acumulado e o tempo limite previsto para cada volta das Voltas do Impossível.

Voltando à essência do desafio em si... As Voltas do Impossível idealizadas pelo José Moutinho, "Pai do Trail em Portugal" e mentor do Ultra Trail da Serra da Freita, são inspiradas na Barkley Marathons de Gary Cantrell aka Lazarus Lake.
 
Neste caso foi criado um enredo em torno das Minas de Rio de Frades e das aventuras dos "Pilhas" que na altura da 2ª Guerra Mundial arriscavam a vida para contrabandear o valioso Ouro Negro, o Volfrâmio.
 
O desafio aqui neste caso consiste em 5 voltas a um percurso pré-definido de sensivelmente 22km com 1500m D+ (valores finais e reais), com um tempo limite de 15h no total, guiados por GPS. Para ter acesso à 4ª volta, há que terminar a 3ª em menos de 9h e para ter acesso à 5ª há que terminar a 4ª em menos de 12h.
 
Para aumentar o grau de dificuldade temos que recolher pelo caminho guias de transporte que estão guardadas em pequenas caixas de madeira, neste caso eram 13 caixas. Outro pormenor e talvez o que causa mais dificuldade no pré-prova é que não sabemos a hora da partida! Esta pode acontecer entre a meia-noite e o meio-dia do dia da prova e só 1h antes é que somos avisados pelo toque de um sino. Ou seja, não há marcações nem há abastecimentos! Depois do acender da lanterna (mote para o início da aventura) somos nós e a natureza, com a esperança de regressar ilesos ao ponto de partida, único local onde poderemos ter apoio externo e dar início à segunda volta, desta vez no sentido contrário da primeira.

Assim, com a preparação possível, física, psicológica e logística, rumámos à aldeia de Rio de Frades, pertencente ao concelho de Arouca, bem encaixada num vale no coração da Serra da Freita. Contava com o apoio do Filipe, meu cunhado e companheiro do ACPortalegre. No pré prova já tinha tido a colaboração dos meus pais, irmã e esposa, que me ajudaram a preparar a logística de tudo o que ia precisar para as horas que antecediam a partida e para a prova em si, desde roupa, mantas, colchão, cadeiras, fogão, gás, comida, bebida e tudo o que pudesse eventualmente precisar nas mais de 24 que poderia durar o evento!
 
Chegamos a Rio de Frades cerca das 20h30, fomos diretos ao secretariado entregar a matrícula e a cerveja artesanal, de forma a receber o dorsal para a primeira volta e um mapa onde assinalei a localização das caixas  que continham as guias de transporte que tínhamos que recolher durante o percurso.

Entrega da matrícula e da cerveja artesanal em troca do dorsal da primeira volta. Foto: Flor Madureira.


Mapa com a localização das caixas. Foto: Jorge Camisão.


Fomos estacionar o carro junto à arena e fizemos uma caminhada curta (já pelo percurso da prova) novamente até ao secretariado para ouvir o briefing do Moutinho.
 
Começamos a ver algumas caras conhecidas... Estava cá o Miguel Baptista, o Jorge Serrazina, o Pedro Marques, o Paulo Correia... E outros malucos... Que por cá estarem não se podem ofender de eu lhes (nos) chamar malucos!

Frontal e direto, o Moutinho explicou aquilo que já todos sabíamos! O percurso era duro! Íamos sofrer... Durante aqueles kms éramos só nós e a Natureza...
Esclarecemos algumas dúvidas relativamente às guias que tínhamos que recolher e ao processo de terminar/iniciar nova volta!
Ficamos esclarecidos. Já podíamos ir descansar e aguardar pelo toque do sino...
 
Briefing. Foto: Flor Madureira.
 
 
Fomos para o carro, fizemos um segundo jantar cerca das 22h00 e estiquei-me cerca das 23h na bagageira do carro, com as tralhas todas ao lado... O banco do condutor cheio de sacos e roupa e sei lá mais o quê... No banco do pendura, o Filipe, qual sentinela à espera do toque do sino, para eu poder dormir descansado.
 
(Nota: Quando já tínhamos tudo pronto para nos deitarmos, pergunto ao Filipe "Viste o meu telemóvel? O que é para levar para a prova...", "Não sei... A última vez que o vi estavas com ele na mão." respondeu ele. Conclusão, reviramos o carro todo, desde o tejadilho até debaixo do carro, só faltou ver debaixo dos pneus... até que lá encontramos o telemóvel e já num stress dos diabos respirei fundo, fiz reset e fui-me deitar.)
 
Sabia que a partir das 23h o sino podia tocar a qualquer momento e a partida seria 1h depois... Mesmo assim dormi. Acordei cerca das 3h30 já com sede e fome e vontade de um xixi...
 
Saímos para esticar as pernas... Não se via nem ouvia vivalma. Fiquei um pouco aliviado, porque sabia que já tínhamos evitado metade da noite... Mesmo que o Moutinho tocasse o sino às 4h, a partida seria às 5h e já só fazíamos 2h de noite...
 
Fomos-nos arrecadar novamente... Depressa peguei novamente no sono. Até que... às 6h30 em ponto ouviu-se um sininho... Levantei logo a cabeça... "Já está!"
 
A contagem decrescente começava... Já poderia iniciar as rotinas pré-prova... Mas devo confessar que estava sem vontade nenhuma... Às 23h quando me deitei estava com a adrenalina nos píncaros, pronto para ser lançado às feras... Agora, às 6h30 da manhã, com uma noite mal dormida, só me apetecia ir para casa e deitar-me na minha cama quentinha...

Carinha laroca pré-prova. Foto: Filipe.

O indivíduo, o mapa, o albergue e a tralha... Foto: Filipe.


Mas o que tem que ser tem muita força. Os atletas começam a sair dos carros... Come-se mais qualquer coisita, bebe-se uns cafés "estilo campista", equipamento pronto, fotos da praxe e eram 7h17 ouvimos o Moutinho "Têm 3 minutos para entrar para a arena"! C@ralho! Que nervos... Porra!
 
Continua...
(inglaês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)
nome feminino

1. [Física]  Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.

2. [Figurado]  Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.


"resiliência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia [consultado em 05-10-2020].
re·si·li·ên·ci·a

"resiliência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia [consultado em 05-10-2020].
re·si·li·ên·ci·a
(inglês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)
nome feminino

1. [Física]  Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.

2. [Figurado]  Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.


"resiliência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia [consultado em 05-10-2020].
re·si·li·ên·ci·a
(inglês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)
nome feminino

1. [Física]  Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.

2. [Figurado]  Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.


"resiliência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia [consultado em 05-10-2020].
re·si·li·ên·ci·a
(inglês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)
nome feminino

1. [Física]  Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.

2. [Figurado]  Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.


"resiliência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia [consultado em 05-10-2020].