quarta-feira, 14 de outubro de 2020

1ª edição das Voltas do Impossível 2020 - 4ª parte

 Continuando...


Recebo o dorsal 228 para a segunda volta. Agora faria o percurso no sentido contrário e teria que recolher das caixas a guia nº 228 do bloco da segunda volta (cada caixa tinha 5 blocos, 1 para cada volta).

Arranco cheio de vontade... Sentia-me muito bem! Como tinha descansado no fim da primeira volta, tinha recuperado muitas energias. Vou subindo as escadinhas de acesso ao túnel, que ainda perfazem uns 50m de desnível, ali em "meia dúzia" de metros... Apanho o Paulo Correia novamente. Vamos ali um bocadito os dois e fazemos juntos o atravessamento do túnel à luz do meu frontal.

Saímos do túnel e já sabíamos a subida que nos esperava! Esta parte inicial seriam 370m de desnível em 1600m de distância (inclinação de 23%!)! Uma brutidade! Depois até à caixa nº 12 seriam mais 140m de desnível em 1500m de distância (9,3%). Já para não falar do piso extremamente técnico, pedregoso, escorregadio, que já vos falei...

Inicio a subida e tento encontrar o meu ritmo... Não queria ir ofegante, mas também não queria ir a pisar ovos! Vou-me distanciando do Paulo... Acho que ainda passei outro atleta até terminar a parte mais difícil. Quando estou a chegar à parte menos difícil vejo um grupo de 3 atletas à minha frente... Aos poucos vou-me aproximando e passo-os no troço de estradão...

Entro no trilho onde o Miguel se tinha magoado, vou a correr, mas tento ir com cuidado... Nesta zona havia novamente umas nuvens e a temperatura baixava consideravelmente! Em menos de meia hora passamos dos 20º talvez (em Rio de Frades) para os 10º cá em cima... Fui a prova toda constantemente a vestir e despir o corta vento!

Apanho a 12ª guia junto à tal cruz e iniciamos a descida. Nesta altura apanho outro atleta com quem fiz algumas centenas de metros...

Aqui nesta zona da aldeia do Candal sou novamente apanhado por dois dos atletas que tinha ultrapassado... Aproveito para parar numa fonte para beber água fresca! Já sabia que a subida do Candal até às eólicas ia ser dura! Lembrava-me bem do tempo que tínhamos vindo sempre a descer e sempre a correr... Agora íamos ter que subir aquilo tudo!

Esta sensação de já conhecer o percurso, embora em sentido contrário, dava-me alguma confiança! Já sabia de antemão o que ia apanhar, podia preparar-me física e psicologicamente, dosear melhor o esforço e afinar a ingestão da alimentação. Além de que já sabia onde estavam as caixas! Por outro lado, não era bem a mesma coisa... Havia sempre que ir atento à navegação e às caixas!

A subida do Candal às eólicas seriam 400m de desnível em 2600m de distância (15,4%). A vantagem aqui é que o piso era bom e até se fez num bom ritmo. Pelo caminho estava a 11ª caixa, aquela que quase tinha falhado na 1ª volta. 

Inicio a subida com calma, umas dezenas de metros atrás dos atletas que me tinham ultrapassado. Quando chego à caixa vi que não estava lá ninguém, devem ter seguido pelo trilho errado. Mando um assobio e lá vêm em sentido contrário... Tinham falhado a caixa.

Sigo sozinho e assim faria o resto da segunda volta! Chego ao fim da subida. Algo cansado, mas tinha vindo a abastecer convenientemente, por isso estava tranquilo, iria recuperar...

Faço a 10ª caixa sem problemas! Novamente o trilho pelas pedras na zona das eólicas... Sabia que a 9ª caixa estava num topo, mas não era visível no sentido que eu corria agora... A caixa estava "escondida" por umas pedras e virada para o sentido da corrida da primeira volta... Andei um bocado às aranhas, porque as pedras pareciam-me todas iguais, estava a chegar ao fim do troço e tinha medo de a falhar e ter que voltar para trás... Iria perder tempo precioso!

Mas ao fim de algum tempo a "procurar" com calma, lá a encontrei e segui caminho!

Novamente o troço do "desbrava mato" e "arranha pernas" junto à zona mineira abandonada e desço pelo estradão aproveitando para correr um pouco.

Terminando o estradão entravamos novamente naquela zona de giestas e trilho quase fechado... Sabia que tinha a 8ª caixa na parte inicial e a 7ª no final! Não queria falhar nenhuma, nem perder tempo à procura...

A 8ª dei bem com ela! Continuei a descer... Não se via nada! Ao sair duma zona mais fechada para uma mais aberta, tropecei numa raiz e mandei um voo para frente! Tava a ver que ia fazer o resto do caminho a rebolar por ali abaixo! Fui com as mãos ao chão, rebolei e consegui parar logo ali! Uff... Fiquei dorido, mas foi mais o aparato que as consequências...

Sabia mais ou menos a direção, mas como havia sempre várias hipóteses, fui-me desviando para a direita... Quando cheguei ao final, vi que estava uns 20 ou 30m desviado do sítio onde deveria ter ido ter... Aquilo era uma ribanceira e da parte de baixo era só silvas... Não podia saltar! Para não ter que voltar para trás, fiz aqueles 20 ou 30m na transversal, ali à "meia-encosta", a desbravar mato e sei lá mais o quê, onde não havia sequer trilho...

Lá dei com final daquilo... Fui direto à caixa (a 7ª) e siga viagem!

Até à aldeia de Cabreiros era sempre a descer e pelo caminho sabia que tinha a 6ª caixa (aquela que só não falhei graças ao Paulo) lá ao pé de uma espécie de açude. Fui atento à navegação e desta vez fui pelo trilho certo... Muito mais simples, mas mesmo assim ainda andei lá às voltas, porque lá está... havia muitos trilhos perto uns dos outros, várias hipóteses e nenhuma delas está certa nem errada.

Cheguei à capela, mas desta vez já não perdi tempo, saí pelo portão principal! Continuei a descer mais um pouco...

A 5ª caixa está antes de começarmos a subir para Tebilhão. Esta faz-se sem problemas! Acho que foi mais ou menos nesta altura que me liga o Filipe a perguntar onde eu andava. Ele já tinha ido com o Miguel a Arouca para ele receber assistência e como conseguiu rede, ligou-me... Disse-lhe estava bem, mas que ainda deveria demorar mais 1h ou 1h e pouco... Ainda faltava um bom bocado!

Ao sair de Tebilhão já vamos a fazer o último grande troço de subida. Vamos progressivamente saíndo de uma zona de floresta e entrando numa área mais agreste, mais seca e com nenhumas sombras.

Faz-se a 4ª caixa, perto da zona perigosa da via ferrata... Continuamos a subir... O trilho apesar de ter sido limpo, tem muitas pedras no chão escondidas pelo mato...  É preciso ir com calma, até porque é a subir... Faz-se a 3ª caixa! Volto a ver "civilização"! O José Carlos Madureira, que andou o dia todo por esta zona... e o fotógrafo Fritz, que me tira uma bela chapa!

Bela foto caraças! Foto: Fritz.
 

Dão-me força, mas eu já só pensava na 3ª volta! "Tenho que ir com calma! Tenho que poupar as pernas para a terceira volta!"

Faço ali um bocado de estrada e entro novamente nos trilhos... Já só faltavam 2 caixas, que seriam feitas sem problemas e a navegação também já não se punha em causa! Lembrava-me perfeitamente do caminho e agora, era sempre a descer novamente até Rio de Frades!

Faltavam pouco mais de 5km e já sabia há muito tempo que não ia conseguir fazer as 3 voltas em menos de 9h! De qualquer das maneiras queria ir à terceira, era esse o meu objectivo, mesmo que terminasse fora do tempo! Por isso a estratégia foi poupar as pernas nesta última descida, não exagerar, tentar comer qualquer coisa para ver se conseguia fazer a terceira volta em condições.

Devo confessar que após ter feito a primeira  volta em 4h e pelo facto de me estar a sentir tão bem na segunda e caminhar para um tempo abaixo das 4h, a minha ideia era "Na terceira vou dar tudo o que tenho e fazer ainda melhor tempo!". Claro que isto eram só teorias, desvaneios de pensamento para ocupar a mente durante o esforço... a realidade seria bem diferente!

Vamos lá então à descida final! Fui nas calmas, sempre com o pensamento em poupar as pernas e abrandar o ritmo cardíaco... Não sabia em que posição ia, por isso queria ver quantos atletas se cruzavam comigo no início da sua terceira volta para ver quantos é que iriam à minha frente quando eu iniciasse a terceira volta!

Quando me faltavam 4km para Rio de Frades cruzo-me com o Mário Elson, ou seja, leva-me 8km de vantagem! Porra!

Já na parte final da descida, a 2km de Rio de Frades, passa outro atleta por mim. E a 1,5km de Rio de Frades passa o Guilherme Lourenço.


Já em Rio de Frades. Foto: Ana Cristina Cabrita.

Não sabia, mas já ia todo torto! Foto: Ana Cristina Cabrita.

 

Fico admirado quando chego à arena e só se tinham cruzado comigo 3 atletas! Não sei quantos terminaram a segunda volta primeiro que eu, mas para a terceira, só iam 3 à minha frente!

Chego com 7h30, ou seja, fiz a 2ª volta em sensivelmente 3h30! Melhor que a segunda, mas já não tinha hipóteses de terminar a terceira dentro das 9h. De qualquer das maneiras iria à terceira, tal como tinha planeado!

 

"Calma!" Foto: Filipe.   


"Mas tu achas que eu vinha aqui só dar 2 voltas?!" Foto: Filipe

Entrego as guias para confirmação! Tudo ok! Vou abastecer... O Filipe pergunta-me como estou, o que quero comer, se preciso de alguma coisa em especial... Digo-lhe que me sinto bem, mas que já me começa a faltar a força nas pernas... Abasteço o habitual e depressa me preparo para iniciar a 3ª volta!

 

Abastecimento. Nunca ousei sequer me sentar naquela cadeira... Poderia nunca mais me levantar! Foto: Filipe.

Estava calor, ainda pondero tirar a camisola térmica que trazia por baixo da t-shirt, mas sabia que o dia estava a avançar, já eram 15h da tarde e nos picos mais altos estava sempre frio... Resisto um pouco ao calor, mantenho a camisola e ainda bem que o fiz...

Dorsal 347 desta vez! Siga para bingo!

 

O Moutinho ainda demorou um bocado a dar-me o dorsal da 3ª volta! Pensava que era para terminar a segunda outra vez... "Não, é mesmo para iniciar a terceira!". Foto: Filipe.


Dorsal 347. Já estava a memorizá-lo. Foto: Filipe.


Pela terceira vez a abandonar a arena. Foto: Filipe.

Continua... (Está quase!)
 

4 comentários:

  1. Caro Helder, ainda bem que existem pessoas como tu que têm uma boa memória e se dão ao trabalho de escrever estes relatos, que, neste caso, me ajudam a recordar a aventura das Voltas do Impossível.
    Tenho, claro, de reclamar pela demora em sairem as várias partes, já que a 5ª parte terá o relato do que eu já não consegui fazer: a 3ª Volta.
    Um abraço do Pilha António Aires

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado!
      Eu bem gostava de demorar menos tempo a escrever, mas o trabalho e a vida familiar não me tem dado grande espaço de manobra... E não gosto de escrever à pressa, porque sinto que começo a atalhar e a resumir muito a história... Por isso vamos com calma! :D
      Esta semana sai a última parte!
      Abraço

      Eliminar