quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

3º Trilhos dos Abutres

Miranda do Corvo, 26 de Janeiro de 2013


Já gostava de ter participado nesta prova o ano passado, mas como não foi possível, fui guardando a vontade para este ano...

A comitiva ACP prometia ser relativamente numerosa, mas no final, por um motivo ou por outro, fomos só 3 os representantes do AC Portalegre / UTSM nestes trilhos de Miranda do Corvo... Eu e o L. Pinto nos 45km e a Carla nos 24km...

Os 3 lobos nos Abutres!

Partimos de Portalegre bem de madrugada, cerca das 5h30... Por volta das 7h30 estávamos em Miranda do Corvo para levantar os dorsais e ultimar os preparativos em relação ao equipamento...

Controlo de material obrigatório antes da partida e estávamos prontos para a acção!

Confesso que daqui para a frente não me lembro de algumas partes da prova, alguns troços em que a atenção era apenas dirigida para os 2 palmos de terra que tinha à frente dos pés ou pelo facto de a paisagem ser muito parecida  em certas zonas, o que confunde aqui o gajo que mora em cima dos meus ombros...

A nossa memória é muito selectiva e mesmo durante a prova o meu cérebro funcionou como um disco rígido com a memória cheia, que vai continuando a gravar, apagando aquilo que é menos importante...

Por isso, é bem provável que omita certas partes, que outros até se podem lembrar muito bem, ou que faça confusão com alguns locais... Claro que o facto de estar a escrever isto já mais de uma semana depois também não ajuda, mas vamos lá...


Partida -> Vila Nova (9km - 1º abastecimento)

É dada a partida e parece que vai tudo a fugir de alguma coisa... Eu optei por partir mais ou menos a meio do extenso pelotão (cerca de 400 atletas), com calma...

Aproveito o 1º km em alcatrão para fazer o aquecimento que não tinha feito e para soltar um pouco os músculos...

Logo a seguir o primeiro congestionamento, junto ao calvário... Um lanço de escadas e um trilho onde só passava um atleta de cada vez... Cada um esperou ordeiramente pela sua vez e lá fomos ladeira abaixo em direcção ao Parque Biológico da Serra da Lousã... Pelo meio ainda passamos num estradão com umas grandes poças de água e lama no meio, onde todos estavam a tentar não sujar os pés, eu incluído... Até que estava a ver que ia escorregar na lama da berma e cair e decido ir mesmo pelo meio da água... Todos olharam para mim e a maioria fez o mesmo que eu...

No início, ainda fresco e limpinho... Foto: Luís Lopes.

Passámos dentro do Parque Biológico, ainda com vestígios do temporal do fim de semana passado e pudemos ver alguns animais comuns e outros menos comuns...

Saímos de fininho do Parque, um troço de ligação em alcatrão e aí vamos nós para os trilhos a sério...

Mais ou menos dos 6 aos 8km, foi a loucura... Um pinhal, ou eucalipal ou sei lá o que era aquilo, inundado de água e lama... Não havia trilho... Era água a escorrer por ali fora... Fugíamos de um sítio que nos parecia ter mais lama e íamos meter o pé noutro local ainda pior... Água e lama até ao tornozelo, pés enterrados no solo e siga em frente que atrás vem gente... Era impossível correr algum metro que fosse, até porque era preciso ter bastante cuidado com os troncos e ramos ao nível da cabeça...

Ultrapassado este troço chegamos a um estradão que já dava para correr, mesmo assim inundado de água... Depois passamos por uns terrenos agrícolas e estávamos no 1º abastecimento, Vila Nova, local da partida da prova mais curta...

A subir, com os bastões sempre em acção... Foto: LightFactory.

Até aqui praticamente não tínhamos tido nenhum desnível e, apesar do troço da lama, até se tinha andado bem...

Estava bem fisicamente, a prova a sério ainda não tinha começado e já tínhamos direito a um farto abastecimento...

Na aproximação ao 1º abastecimento... Foto: LightFactory.

Como meia banana, umas marmeladas, uns amendoins, batatas fritas, bebo um copo de coca-cola, um copo de isotónico e sigo viagem...

Vila Nova (9km - 1º abastecimento) -> Mestrinhas (17,5km - 2º abastecimento)

Este é um daqueles troços em que tenho muitas falhas de memória...

A saída de Vila Nova lembro-me que foi pelo meio da vila propriamente dita, por uma ruela bem engraçada, depois virámos à esquerda e puf... apagou-se...

Sei que começamos a subir... A primeira grande subida do dia, não me lembro do caminho em si, mas deve ter sido bem técnica, para não dizer outra coisa... Fiz o km mais lento até ao momento, 14min45s...

Aos 12,5km mais um troço de ligação em alcatrão, lembro-me de ultrapassar algum pessoal e depois mais um trilho bem puxado, com muita água, muita lama, muito mato que tinha sido cortado ou arrastado com o temporal, no fundo um terreno muito pesado, que nos levaria até aos 780m de altitude...

Aqui surgiu uma ligeira descida, num caminho onde dava para correr bem... Aproveitei para ganhar algum balanço, correr um bocadinho e aquecer o corpo que nesta altura arrefecia devido à altitude e ao nevoeiro...

Na parte final da descida (penso que foi aqui), temos um caminho que estava sinalizado com fitas, mas o chão estava coberto de água e folhas e mato e sei lá mais o quê... Aquilo era uma enxurrada por ali abaixo, não sei de onde vinha tanta água... Bota de chapinhar por ali abaixo a todo o gás... A enterrar os pés no mato cheio de água, a saltar, foi um fartote de diversão... 

Daqui até às Mestrinhas foram cerca de 2,5km, ligeiramente a subir, junto a um ribeiro, saltando troncos e tentando evitar a lama mais espessa e profunda para não correr o risco de ficar sem uma sapatilha...

No abastecimento foi a dose habitual, banana, marmeladas, amendoins e batatas fritas... Mas aqui havia um bónus para quem se quisesse dar ao trabalho: um pedaço de presunto para quem quisesse cortar umas fatias.. Comi uns bocados de presunto, bebi um chazinho de limão, isotónico e siga! Agora vocês perguntam: Como é que o gajo não fica mal disposto com esta misturada toda de "porcarias"? Também não sei... O que é certo é que o estômago não se queixou...

A primeira grande dificuldade estava praticamente ultrapassada e não tinha sentido muito a subida... Até aqui tudo bem, ainda não tinha tido nenhuma quebra, sentia-me lindamente, como que revivendo os tempos de criança em que brincávamos no meio do mato, sujando-nos todos...


Mestrinhas (17,5km - 2º abastecimento) - Srª da Piedade de Tábuas (27km - 3º abastecimento)

Saídos do abastecimento ainda subimos mais uns 100m até aos 900m de altitude por um corta fogo com uma inclinação razoável...

Cá em cima, ouvíamos as eólicas, mas não se via nada... Estava um nevoeiro cerrado e um vento forte que nos anunciava que tínhamos que descer rapidamente senão ficávamos enregelados...

Uns metros em alcatrão e começamos logo a descer... A primeira parte da descida foi numa espécie de pista de downhill (!), não sei se será mesmo de downhill, porque duvido que alguém consiga descer aquilo de bicicleta...

Consegui sobreviver aos primeiros 300m de descida, escapando por várias vezes a uma queda certa... Mas quando alcancei o estradão, em "terra firme", escorrego numas ervas e caio de cu no chão numa poça de água... Tá visto que fiquei com o pára-choques traseiro todo molhado... hehe Depois de tantas partes técnicas e descidas complicadas, vou cair ali num mero estradão... Onde já se viu?!

Seguimos pelo estradão durante cerca de 1km e depois é que começou a descida com inclinação a sério... Uma sucessão de corta fogos com quase 2km de extensão, onde descemos 350m de altitude, praticamente 20% de inclinação média, com uma vista estrondosa sobre Miranda do Corvo...

No final do corta fogo, fizemos cerca de 1,5km ali a meia encosta, ligeiramente a subir e depois... nova descida... mas desta vez para junto de uma linha de água, um ribeiro... Foram cerca de 2km ali no ribeiro, progredindo com toda a cautela para evitar alguma queda...

Por várias vezes escorreguei, mas nunca caí, nem tive grandes problemas em passar este trilho... Mas era necessária muita cautela, para ver onde se punham os pés e se havia sítios para apoiar as mãos, etc...

Atravessámos uma estrada onde estava o Armando Teixeira, vencedor da prova do ano passado, a apoiar os atletas...

De seguida entrámos num trilho bem corrível que nos iria levar ao 3º abastecimento...

A contemplar a natureza... Foto: Lina Branco Batista.

Foi novamente a dose habitual, mas aqui tínhamos sopa... Mandei uma sopa abaixo e como não sabia se as sopas estavam contadas (1 por atleta?) perguntei se podia comer outra... Disseram-me que sim... Mandei outra abaixo e, com o estômago mais aconchegado, segui viagem...


Srª da Piedade de Tábuas (27km - 3º abastecimento) ->  Centro de BTT (33km - 4º abastecimento)

Após o abastecimento começamos logo a subir! Primeiro uma espécie de degraus de pedra, depois foi mesmo pelas pedras e por aquelas encostas escarpadas...

De seguida aproximámos-nos de uma linha de água e continuamos a subir pelas margens, cruzando por vezes o seu leito...

Diga-se de passagem que apesar de irmos junto a um ribeiro, a inclinação era qualquer coisa... Por isso mesmo o rio/ribeiro tinha várias cascatas... Cascatas enormes, imponentes, que nos imobilizavam e nos metiam respeito com o seu barulho muito forte e constante...

Subíamos agora para o ponto mais alto da prova, 920m de altitude, mas... Eis que surge uma descida... Até sabe bem uma descidazita, mas se estás a descer, depois vais ter que subir ainda mais...

E começamos logo de seguida a subir... O terreno agora já não era tão técnico, já fazíamos a aproximação ao cume...

Viam-se aqui em cima muitas árvores derrubadas pelo vento do fim de semana passado... Aqui estão mais desprotegidas e com ventos muito fortes, só as mais fortes resistem...

Ia olhando para o GPS a ver quando é que nos aproximávamos dos 900m de altitude, mas parecia que estava a demorar... Só queria era chegar lá acima rápido, para começar a descer...

O vento e o frio começam a fazer-se sentir... Tinha tirado o buff do pescoço na subida, porque estava com calor, mas agora tinha que o colocar novamente...

E eis que chegamos ao abastecimento lá no alto... Era só líquidos... Bebo um copo ou dois de isotónico, um copo de coca-cola e encosto-me uns segundos a um corrimão para recuperar o fôlego...

Mas estava frio, tinha que começar a descer rapidamente... E lá vamos nós...


Centro de BTT (33km - 4º abastecimento) -> Gondramaz (37,5km - 5º abastecimento)

Começamos a descer, primeiro por um estradão... Passado 1km entrámos num pinhal, num trilho estreito, cheio de caruma no chão...

Ouvi muita gente a falar bem deste trilho e eu pessoalmente também adorei... Muito suave, muito soft, parecia que estávamos a correr nas nuvens...

1km à frente começamos novamente com descidas técnicas... Por vezes ainda se corria qualquer coisa, mas pouco...

Descemos, descemos, descemos... Até que tínhamos que começar a subir... Penso que é este local a que chamam Penedo dos Corvos...  Uma subida muito inclinada, onde tínhamos literalmente que trepar até lá acima... A sorte é que aquilo era relativamente curto, mas inclinado à brava... Tanto que aqui fiz o meu 2º km mais lento, 20min 08s...

A seguir ao Penedo dos Corvos, continuamos a subir, mas agora mais suavemente até Gondramaz...

Aproximação a Gondramaz. Foto: João Oliveira

Hora de retemperar energias... Tinha 37,5km no meu GPS... Estavam anunciados 45km, mas durante a prova comecei a notar um desfasamento em relação ao que o meu GPS dizia, por isso fui-me preparando psicologicamente para fazer aí por volta de 47km...

Por isso deveriam de faltar cerca de 10km, vamos a eles...


Gondramaz (37,5km - 5º abastecimento) -> Espinho (42,5km - 6º abastecimento)

A saída de Gondramaz foi deliciosa... Primeiro por entre as casas de xisto e depois a descer a encosta da serra por um trilho estreito, bem delineado por ali abaixo...

Foi sempre a descer até encontrarmos novamente... água!

Estávamos novamente junto a um ribeiro que descia encaixado no vale... Foram cerca de 3km alucinantes! Pedras, escarpas, lama, água e troncos para fazermos equilibrismo a atravessar o rio... Cordas, cabos de aço e muita atenção para não cair nem bater com a cabeça... Muitos bombeiros espalhados por este troço, lembro-me de ver bombeiros pelo menos em 2 ou 3 locais...

E quando menos esperava... Catrapumba! Esbardalha-te 'praí! Fiz todas as partes mais difíceis sem nunca cair e quando vou a atravessar uma daquelas pontes de madeira feitas pelo homem, logo ao colocar o pé na ponte, escorrego e caio de lado e ainda agora não sei como não fui parar à água...

Ok, estás vivo! Não tens nada partido! Siga em frente... Por acaso estavam 2 bombeiros colocados do outro lado da ponte, que me vieram perguntar se estava tudo bem... Tirando as dores na anca e no braço direito, tudo em ordem...

Isto foi sensivelmente a meio do troço técnico... Continuei, com cautela... Mas sentia-me meio desorientado... Sentia que depois da queda não estava concentrado e focado no que estava a fazer... Deixei passar um atleta que entretanto me tinha alcançado e seguia atrás de mim e continuei devagar, devagarinho...

Recebo um telefonema da Carla a perguntar-me onde estou...
"Estou quase com 42km..."
"Já!? Estás quase a chegar então!" - dizia ela
"Faltam uns 5km... Daqui a meia hora, 40min 'tou aí!"

Até que apanhámos um estradão já na aproximação à aldeia do Espinho... No final do estradão e no início da aldeia estavam 2 senhoras de idade à conversa e a ver os atletas passar... "Ai, vocês vêm de tão longe!" "Ai, tantas horas nisto...!" Foram os comentários que ouvi ao passar... hehe

Atravesso a aldeia e vou desembocar no abastecimento... Já nem estava à espera de abastecimento por esta altura...

Já ia em velocidade de cruzeiro... Pergunto rapidamente se havia controlo de dorsal, dizem-me que não... Nem parei, segui sempre...


Espinho (42,5km - 6º abastecimento) - Chegada (47,3km)

Já só faltavam cerca de 5km... Ia num bom andamento de corrida, nem parecia que já tinha uma maratona e 7h de trilhos nas pernas...

Atravesso uns terrenos agrícolas onde a progressão era fácil... Só tive que abrandar junto a uma levada de água, onde tivemos que andar a saltar de um lado para o outro e onde eu muitas vezes optei por ir mesmo pela levada... sempre lavava as sapatilhas!

Já nos km finais, na levada de água... Foto: Luís Lopes.

45km... Estamos a chegar... Entrámos no perímetro da vila e acabaram-se os trilhos...

Já começava a ficar cansado de tanto correr nestes km finais, mas sabia que não podia caminhar... Queria era chegar ao final e a correr sempre era mais rápido, por isso, insiste e não desiste...

Estamos no centro da vila, vejo um elemento da organização a dar indicação para seguir em frente... Devo estar quase...

Aproximo-me do pavilhão e ainda temos uma barreira para papar... Não pára! Cravo os bastões no chão e vou galgando terreno por ali acima... Recebo incentivos!

Tá feita, agora era só descer até ao pavilhão e atravessar aquele pórtico para dar por terminada a brincadeira...

Entro no pavilhão, subo ao palanque e já está!!!

Terminada a aventura! Foto: Carla

Procuro a Carla que estava à minha espera e já tinha terminado a prova mais curta...

Estava cansado, mas surpreendentemente a única coisa que me doía era o dedo mindinho da mão direita, provavelmente devido à queda que dei lá na ponte...

Altimetria registada no meu GPS. D+2200m / D-2200m

A Carla ficou admirada como é que eu só tinha dado duas quedas e só me doía o dedo mindinho! Quando ela fartou-se de cair, escorregar e fazer sku!

Bebi qualquer coisa, petisquei umas batatas fritas e fui ao banho... de água gelada!

Esperamos pelo L. Pinto que chegou entretanto, assistimos à entrega de prémios e fomos ao jantar...

De seguida, mais 2h de viagem para Portalegre e estava terminada a aventura!

Caso ainda não se tenham apercebido... Eu adorei estes Trilhos dos Abutres! Não querendo fazer comparações com outras provas, mas, a par do Ultra Trail da Serra da Freita, foi das provas que me deu maior gozo realizar e terminar...

Adoro este tipo de trilhos em que estamos em constante mudança de ritmo e de cenário e de estado de alerta... A cada passo, um novo desafio, um novo obstáculo para ultrapassar...

Em relação à organização da prova em si, esteve excelente! 5 estrelas! Só faltou mesmo uma coisa, uma única coisa, que foi o banho de água quente... Para 2014, se puder, tentarei marcar novamente presença!

Já quase me esquecia, a minha classificação... Não é que seja o mais importante, mas aqui fica o registo... Um tempo oficial de 7h32.18, 99º da geral em 367 atletas e 58º em 195 nos Seniores masculinos...

Registo da minha prova no Endomondo

Registo da minha prova no Garmin Connect

Resultados 3º Ultra Trilhos dos Abutres

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